Se por um lado o agronegócio é responsável por 21,6% do PIB brasileiro – segundo dados de 2019 do Ministério da Agricultura -, por outro, o setor é apontado como um dos grandes responsáveis pelo desmatamento de florestas tropicais. Um relatório recentemente publicado pela Forest Trends mostrou que a produção agrícola comercial foi responsável por 60% de toda área florestal perdida mundialmente, sendo 69% desse território (uma área maior do que o estado de São Paulo) desmatado de forma ilegal. O Brasil está entre os países mais afetados – e já não existe espaço para negar a crise ambiental, em especial na Amazônia.
No entanto, “não só é possível, como é necessário conciliar o agronegócio e a Amazônia de pé”, afirma Argemiro Teixeira, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em participação num debate promovido pelo Observatório de Comércio e Ambiente da Amazônia (OCAA) nesta quinta-feira (26/08), sobre a crise hídrica e o papel do setor privado na Amazônia.
“Não é economicamente viável expandir lavouras em cima de florestas, porque os prejuízos são muito maiores”, explica o pesquisador, cujo estudo publicado pela Nature mostra que a diminuição de chuvas, devido ao desmatamento da Amazônia, reduz também a produtividade e, consequentemente, o rendimento de produtores. “No cenário atual, sem uma política eficaz de combate ao desmatamento, as perdas para produção de soja até 2050 podem ser de R$ 32,2 bilhões. Já para a produção de carne, nós teríamos perdas de aproximadamente R$ 1 trilhão nas próximas três décadas.”
Teixeira defende que o combate ao desmatamento precisa ser considerado uma política nacional – uma política ambiental também a favor do agronegócio. “Sob a perspectiva econômica, a Amazônia dispõe de potencial relevante para gerar riqueza e prosperidade a partir de variados produtos e serviços com qualidade, agregando valor e conservando o patrimônio genético por meio de excelência em pesquisa, desenvolvimento e inovação”, complementou Ludmila Rattis, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e moderadora do evento virtual do OCAA.
Falta de integração entre os atores envolvidos
Representantes do setor privado e do governo se mostraram igualmente a favor de políticas socioambientais e econômicas que avancem juntas e comentaram, durante o evento, que falta integração entre os diversos atores envolvidos na conservação da Amazônia e no comércio.
Segundo Marcello Brito, presidente da Associação Brasileira de Agronegócio (Abag), muitos produtores do setor entendem a importância da floresta em pé e das políticas socioambientais para seus próprios negócios e que a verdadeira barreira é a falta de informação. “O problema é que o acesso a esse tipo de informação é limitado a pouca gente”, explicou no evento do OCAA. “Precisamos acabar com a insanidade do desmatamento da Amazônia e a ciência já comprovou isso [que traz prejuízo às safras]. Tem muita gente no agro brasileiro que trabalha para trazer alimentos de altíssima qualidade para nossas casas, mas vivemos um momento em que a ciência não é respeitada e não tem sido aplicada no Brasil”, disse.
O coordenador-geral de Informações Estratégicas da Secretaria de Inovação, Desenvolvimento Rural e Irrigação do Ministério da Agricultura, Raimundo Deusdará Filho, que também marcou presença no encontro do OCAA, destacou que algumas pesquisas do Ministério apontaram que os cidadãos brasileiros, principalmente residentes em áreas urbanas, pensam na gravidade da crise hídrica apenas quando falta água no dia a dia. “É cada vez mais necessário o engajamento pela conservação ambiental para assegurar uma produção de qualidade e sem maiores frustrações. O fogo foi uma emergência crônica e espero que a crise hídrica não chegue a esse ponto também”, falou.
Para Brito, é preciso fortalecer a integração do Brasil. “Somos produtores respeitados mundialmente, porque abraçamos as cifras. O próximo passo é abraçar a ciência ambiental. Essa é a única saída a longo prazo no Brasil. Em troca, pelo cuidado com o meio ambiente, teremos mais acesso ao mercado para beneficiar nossa população”, afirmou. E, para isso, Deusdará aponta que é fundamental quebrar a ideia de que um ator é bom e outro é ruim. “Precisamos de um lugar para discutir, estabelecer uma agenda de trabalho, sem avaliação antecipada do que é ruim ou bom”, concluiu.
Incentivos pela proteção ambiental
Outro ponto discutido no evento como peça fundamental para a proteção ambiental é o incentivo econômico aos produtores. Apesar de avanços no setor privado com a Lei de Pagamento por Serviços Ambientais (14.119/21), sancionada em janeiro deste ano, Deusdará disse que ainda não existem políticas públicas para alavancar e subsidiar a proteção de nascentes.
Ele destacou o trabalho feito pelo Observatório da Agropecuária Brasileira, que reúne informações sistematizadas da agropecuária brasileira. “A plataforma traz informações oficiais do agronegócio e que podem ajudar cientistas, tomadores de decisão, formadores de políticas públicas”, disse. “Na medida em que declara a nascente localizada em sua propriedade, o produtor assume direitos de manutenção das nascentes. A informação disponível é segura e estratégica para eventuais programas de formulação de políticas que valorizem os produtores que protegem as nascentes ou criar condições de subsídios para ver suas nascentes recuperadas.”
Na prática, um exemplo de projeto que dialoga com diversos atores – produtores, sociedade civil, populações tradicionais e investidores – e aposta no incentivo econômico está em pleno funcionamento em Mato Grosso. Lançado pelo IPAM em 2020, em parceria com o Woodwell Climate Research Center e o Environmental Defense Fund, o Conserv é um mecanismo focado no desmatamento legal, cuja premissa é construir um novo paradigma do uso da terra no Brasil, conciliando produção e conservação.
O programa é privado, de adesão voluntária e já conta com 8.410 hectares de vegetação nativa protegida – número que corresponde a mais de oito mil campos de futebol. A proposta do Conserv é oferecer uma solução para a mitigação das mudanças climáticas, por meio de incentivo econômico, recompensando médios e grandes produtores da Amazônia Legal por conservarem uma área, dentro de suas propriedades, que o Código Florestal permite que seja suprimida.