Por Sara R. Leal¹
O projeto CONSERV, idealizado pelo IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), acaba de fechar mais sete novos contratos junto a produtores rurais das regiões leste e oeste de Mato Grosso. No total, são 16 assinaturas que somam 14.320 mil hectares de florestas nativas conservadas dentro de propriedades privadas da Amazônia Legal – áreas que, por lei, poderiam ser suprimidas.
Desde 2020, o projeto reconhece o papel do produtor rural na conservação e propõe a compensação financeira àqueles que àqueles que conservam florestas em propriedades rurais além das exigências do Código Florestal. “A ideia é termos o máximo de conservação e o máximo de produção, beneficiando o planeta e o setor agropecuário”, afirma o diretor executivo do IPAM, André Guimarães.
Trata-se de um mecanismo privado, em pleno funcionamento e com potencial de expandir para outras regiões. “Estamos testando essa metodologia e aprendendo na prática para que vire um processo de maior escala no futuro e inspire governos e investidores”, explica Guimarães. Atualmente, o programa é responsável por evitar a emissão de 1,8 milhões de toneladas de CO₂, caso a vegetação fosse suprimida.
Seis das novas contratações fazem parte do CONSERV no Araguaia, uma parceria entre o IPAM e a Liga do Araguaia. São áreas localizadas nos municípios de Barra do Garças, Canarana, Novo São Joaquim, Pontal do Araguaia e Araguaiana, em Mato Grosso.
A sétima propriedade fica em Porto dos Gaúchos, também no Estado. Este é o primeiro contrato com uma empresa de grande porte, além de ser a maior área individual a aderir ao mecanismo e a primeira localizada no bioma amazônico. O projeto já beneficia outros nove produtores em Mato Grosso, no município de Sapezal, e, até o momento, realizou 41 pagamentos.
Segundo Caio Penido, produtor rural, membro fundador da Liga do Araguaia, o projeto concretiza mais um passo da missão da Liga, que busca “promover o desenvolvimento econômico e social da região do Médio Araguaia Mato-Grossense, por meio do aumento da produtividade e renda, respeitando a legislação vigente e os limites dos sistemas naturais, mostrando na prática uma pecuária sustentável capaz de aliar produção e conservação.”
O projeto
O CONSERV é um mecanismo privado de compensação financeira que remunera donos de áreas rurais que, de forma voluntária, se comprometem a não desmatar a vegetação nativa das suas propriedades, além das exigências legais. Fruto de dois anos de pesquisa e de diálogos com produtores rurais, seu conceito foi desenvolvido no IPAM e é executado em parceria com o Woodwell Climate Research Center and the EDF (Environmental Defense Fund).
O modelo pretende iniciar a construção de um novo paradigma para o uso do solo, no qual as florestas em pé possuem um valor intrínseco pela prestação de serviços ecossistêmicos e manutenção da biodiversidade.
A expectativa é de que o projeto chegue ao final de 2022 com 20 mil ha de ativos de vegetação nativa no total, distribuídos entre 20 e 30 fazendas em três locais diferentes da Amazônia Legal, incluindo Cerrado e bioma amazônico.
Com área recém-contratada pelo projeto, a produtora rural Liliana Maria Crego afirma que seu interesse em participar do programa vem da busca por aperfeiçoar a produção, reconhecendo o importante papel das matas para a atividade. “A agricultura e a pecuária precisam essencialmente de recursos naturais como solo e chuva. Por isso, é importante valorizar essas áreas de vegetação nativa e entender que são fundamentais para continuarmos a produzir”, explica.
A produtora diz que não tem interesse em suprimir mais áreas. “Muito pelo contrário, estou reunindo recursos e aprendendo para produzir melhor no espaço que já está aberto”. Para ela, iniciativas como o CONSERV no Araguaia, que beneficiam o produtor e o meio ambiente, devem ser incentivadas. “É justo sermos remunerados pois, para manter a vegetação preservada, é necessária uma manutenção ativa, e a remuneração ajuda nesse sentido”, conclui.
Potencial de escala
No início de fevereiro, a revista científica Frontiers publicou artigo inédito que estima que a Amazônia Legal possui um total de 11,3 milhões de hectares de vegetação nativa em propriedades privadas, uma área maior que os Estados da Paraíba e do Rio Grande do Norte juntos.
Esses ativos, que podem ser legalmente suprimidos, contêm um estoque de 474 milhões de toneladas de carbono acima do solo amazônico brasileiro. O número corresponde a 75% das reduções anuais de emissões nacionais de CO2 prometidas em 2015 na Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC).
O estudo Slowing deforestation in the Brazilian Amazon: avoiding legal deforestation by compensating farmers and ranchers (em português, “Desacelerando o desmatamento na Amazônia brasileira: evitando o desmatamento legal compensando agricultores e pecuaristas”) apresenta o CONSERV como um dos caminhos possíveis e foi elaborado por pesquisadores do IPAM e do Woodwell Climate Research Center, dos Estados Unidos.
“Iniciativas como essa auxiliam na mitigação das mudanças climáticas e, consequentemente, na continuidade da produção agropecuária, já que boa parte dela não é irrigada”, afirma o pesquisador do IPAM e autor principal do artigo, Marcelo Stabile. “Portanto, o valor da floresta precisa ser reconhecido pelos atores de mercado e se tornar uma fonte de receita para os proprietários rurais”.
CONSERV em dados:
Vegetação nativa protegida: 14.320 hectares
Área total das propriedades: 86.661 hectares
Estoque de carbono acima do solo: 503.151 toneladas
Emissões de CO₂ evitadas, caso a vegetação fosse suprimida: 1.844.889 toneladas
41 pagamentos realizados
16 contratos firmados
¹Jornalista e analista de Comunicação no IPAM, sara.pereira@ipam.org.br