Por Sara Leal*
Proprietários rurais e empresas agrícolas que, durante cinco anos, foram remunerados para manter o excedente de vegetação nativa, seguem conservando suas áreas mesmo após o fim dos pagamentos da primeira etapa do CONSERV, projeto conduzido pelo IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) no Cerrado e na Amazônia brasileira.
Após comprovar a tese de que é possível reduzir o desmatamento legal por meio de compensação financeira, o CONSERV se estabeleceu como um modelo seguro que pode ser escalonado.
De 2020 a 2024, o projeto chegou a 32 contratos firmados com proprietários rurais e empresas no Estado de Mato Grosso, no Pará e no Maranhão. Foram protegidos mais de 27 mil hectares de vegetação nativa além da reserva legal, ou seja, aquela que poderia ser legalmente suprimida. Destes, 7 mil hectares seguem sendo remunerados por contrato.
Para participar do CONSERV, as propriedades passam por verificação de cumprimento à lei, como manutenção de reserva legal e APPs (Áreas de Preservação Permanente), com monitoramento contínuo. As áreas contratadas totalizaram mais de 54 mil hectares de reserva legal e quase 19 mil hectares de APPs, somando um total de mais de 105 mil hectares de vegetação nativa total conservada.
“Ao informar os produtores sobre o encerramento dos pagamentos, para a minha surpresa e felicidade, praticamente todos os então contratados optaram por seguir conservando”, enfatiza André Guimarães, diretor executivo do IPAM. “Essas pessoas não só entenderam a importância do seu papel enquanto produtores de alimentos, mas também como estabilizadores do clima do planeta”.
A manutenção de serviços ecossistêmicos, que oferecem umidade e regulação da temperatura local, por exemplo, foi o benefício mais percebido nas propriedades rurais que participaram da experiência e decidiram seguir protegendo a vegetação nativa.
Valorização e manutenção da biodiversidade
“A experiência do CONSERV era algo que desejávamos há muito tempo e nos fez bem. Conservar acaba sendo prazeroso”, afirma Redi Biezus, produtor rural em Sapezal (MT), ex-participante do CONSERV que também optou por não suprimir a vegetação nativa antes contratada.
“Eu sempre vi o projeto como algo pioneiro e ele acabou sensibilizando e quebrando a resistência de muita gente, tanto é que várias pessoas da região estavam querendo ingressar”, diz o produtor.
Ainda, Biezus acredita que proporcionar um tratamento diferenciado para proprietários rurais que participem de iniciativas de conservação, por exemplo ao buscar apoio para alavancar as atividades desenvolvidas na propriedade, incentivaria ainda mais pessoas a participarem.
André Guimarães, diretor executivo do IPAM, em visita à propriedade de Redi Biezus, produtor rural (Foto: Sara Leal/IPAM)
Motivados pelo CONSERV, os ex-participantes do projeto na região criaram uma brigada de incêndio iniciada por Carlos Roberto Simoneti, um dos pioneiros a ingressar na iniciativa. Sapezal engloba os biomas Cerrado e Amazônia. Segundo dados do MapBiomas, os dois biomas, juntos, têm 86% da área queimada nos últimos 40 anos.
O produtor investiu parte do valor pago pela iniciativa em ações de combate ao fogo, como a compra de um caminhão pipa e a aquisição de cursos para capacitar seus funcionários contra queimadas, especialmente na época da seca.
Caminhão de combate a incêndio comprado com valor pago pelo CONSERV (Foto: IPAM)
Simoneti relata que animais são avistados com frequência em sua propriedade, inclusive onças pintadas com filhotes. “Isso porque estamos conservando, não deixamos pegar fogo, então não tem palavras para descrever o quão positiva foi a experiência com o CONSERV. Meus filhos também querem levar adiante a ideia de seguir conservando e ainda temos esperanças de que surja outra oportunidade como o projeto”, diz o proprietário rural.
Registro de onça pintada avistada na propriedade de Carlos Roberto Simoneti (Foto: Arquivo pessoal)
“Essas pessoas perceberam um ganho para além do financeiro, começaram a olhar o seu papel no mundo de uma forma mais aderente com os desafios atuais do planeta. Este é um resultado intangível, difícil de mensurar, mas talvez seja o mais importante do CONSERV”, afirma André Guimarães.
Bom para o clima, bom para os negócios
A SLC Agrícola foi uma das empresas que decidiu por manter as áreas que, antes, faziam parte do CONSERV, “Enxergamos valor estratégico na manutenção de ativos ambientais e na adoção de práticas que promovam serviços ecossistêmicos. Além disso, entendemos que conservar áreas além das exigências legais fortalece a reputação da empresa, melhora o relacionamento com stakeholders e contribui diretamente para metas globais de enfrentamento das mudanças climáticas”, afirma Tiago Agne, gerente de Sustentabilidade da SLC.
À época da assinatura do contrato com o CONSERV, a SLC Agrícola instalou placa em área conservada com indicação da participação no projeto (Foto: Sara Leal/IPAM)
A empresa Amaggi também optou por não suprimir a vegetação nativa excedente. “O projeto ajudou a ampliar o diálogo sobre mecanismos de mercado e políticas públicas capazes de considerar o esforço de produtores que mantêm áreas preservadas além do mínimo legal”, explica Fabiana Reguero, gerente Socioambiental da Amaggi.
Para ela, projetos como o CONSERV ajudam a demonstrar que é possível conciliar a produção agropecuária competitiva com a proteção dos ecossistemas. “Gostaríamos que ganhasse escala e se consolidasse como um mecanismo de mercado permanente. Iniciativas como essa mostram ao mundo que o agro brasileiro está disposto a inovar e assumir compromissos concretos com a preservação ambiental e o combate às mudanças climáticas”, complementa.
Assinatura do contrato entre IPAM, por meio do CONSERV, e empresa Amaggi (Foto: Sara Leal/IPAM)
Recuperação de áreas degradadas e corredor ecológico
Os benefícios do CONSERV vão além da área conservada diretamente pela iniciativa. Após assinatura dos contratos, a equipe do CONSERV realiza recomendações técnicas para melhorias nas propriedades rurais que culminaram, por exemplo, na recuperação de áreas degradadas.
Erosão encontrada em propriedade, antes e depois da assinatura do contrato entre IPAM e proprietário rural. Valor pago pelo CONSERV foi investido em recuperação de área degradada (Foto: IPAM)
Em Sapezal (MT), as fazendas participantes do CONSERV criaram um corredor de vegetação nativa com 13 km de extensão, garantindo a ausência de fontes de degradação, incluindo queimadas, caça e exploração madeireira.
Corredor de vegetação nativa em áreas que participaram do CONSERV em Sapezal, Estado de Mato Grosso (Foto: IPAM)
Já em Porto dos Gaúchos (MT), uma propriedade que participou do CONSERV (em verde, ao centro) protege um grande remanescente de floresta nativa, tornando-se uma “ilha de conservação” em meio a uma área de intenso desmatamento e degradação ambiental.
Área já contratada pelo CONSERV aparece como “ilha de conservação”, ao centro. Demais polígonos representam embargos, autorizações de desmatamento, infrações e autuações ambientais de diversas fontes oficiais (Foto: IPAM)
Ainda, propriedades CONSERV localizadas em zonas críticas para a conectividade da paisagem regional servem como centros, facilitando a convergência de várias rotas de movimentação da vida selvagem.
Áreas CONSERV servem como rotas de movimentação da vida selvagem. Foto: IPAM
CONSERV
Lançado em 2020, o CONSERV coloca em prática um modelo de negócio eficiente e rentável para produtores, ao mesmo tempo em que identifica o esforço que esses atores desempenham na conservação.
Desenvolvido pelo IPAM em parceria com o Woodwell Climate Research Center e EDF (Environmental Defense Fund), a primeira fase do CONSERV teve apoio da Embaixada dos Países Baixos e da Noruega.
O mecanismo iniciou uma nova fase de contratações em Mato Grosso e no Maranhão. Esta segunda etapa faz parte de uma iniciativa de paisagem chamada “Produtores em Foco”. Além da remuneração, prevê ATER (Assistência Técnica Rural) para apoiar boas práticas no uso da terra e melhorias para aumento da produtividade; além de ações de governança que incluem compliance e certificação da produção.
Em 2025, foram protegidos mais de 7 mil hectares de vegetação nativa excedente e os serviços ecossistêmicos prestados por ela – cerca de 4 mil hectares no Oeste de Mato Grosso e 3 mil no Maranhão.
Considerada uma ação coletiva inovadora para o agronegócio em nível de paisagem, a nova fase é uma parceria entre o IPAM e o Instituto PCI (Produzir, Conservar e Incluir), do Governo de Mato Grosso, com apoio do SCF (Soft Commodities Forum)/Abiove.
*Coordenadora de Comunicação do IPAM
O post Fazendas protegem área maior que reserva legal depois do CONSERV apareceu primeiro em IPAM Amazônia.