“A catástrofe se aproximou de nós. Todas as vozes precisam ser escutadas sob pena da gente perder tempo e atrasar ainda mais aquilo que já devíamos ter começado”. Com essas palavras, a coordenadora de projetos da FVPP (Fundação Viver, Produzir e Preservar), Ana Paula dos Santos Souza, deu início à participação da sociedade civil no debate “O futuro da Amazônia: conciliando produção agropecuária e conservação da floresta”, transmitido na segunda-feira (8/11), no espaço do Brazil Climate Action Hub na COP26.
“Não é só o [desmatamento] ilegal que destrói a Amazônia”, continuou, “e talvez seja essa a parte mais dura, porque o legal também destrói. Por trás da mineração, do agrotóxico e do monocultivo, dessa produção e metabolização voraz dos recursos, há uma lógica perversa movida por uma ganância sem limites”, lamentou Souza.
Também participaram do evento, no primeiro de dois painéis de discussão, o diretor-executivo no IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) André Guimarães; a diretora de Ciência no IPAM e coordenadora do MapBiomas Fogo, Ane Alencar; o governador do Estado do Pará e representante do Consórcio de Governadores da Amazônia Legal, Helder Barbalho; o CEO da Klabin, Cristiano Teixeira, e o enviado especial do departamento de Mudança Climática do Ministério de Clima e Meio Ambiente da Noruega, Hans Brattskar.
No segundo painel estiveram o cofacilitador da Coalizão Brasil, Marcello Brito; a líder de estratégia de envolvimento em meio ambiente e agricultura para a América Latina na Bayer, Alessandra Fajardo; o cientista e economista ambiental no Woodwell Climate Research Center, Glenn Bush; e o diretor-geral na FCDS (Fundación para la Conservación y el Desarrollo Sostenible), Rodrigo Botero.
Conservar no presente para garantir o futuro
A fala da coordenadora vai ao encontro do que o pesquisador no IPAM Marcelo Stabile disse, horas antes, apresentando a iniciativa do CONSERV na Conferência do Clima: “Há uma necessidade de parar não apenas o desmatamento, mas sobretudo o desmatamento legal”. Desenvolvido pelo IPAM, pelo Woodwell Climate e pelo EDF (Environmental Defense Fund), o CONSERV apresenta uma das possibilidades de futuro para conciliar a produção agropecuária e a conservação da Amazônia Legal, ao compensar grandes produtores rurais por manterem a vegetação nativa que poderiam, por lei, suprimir em suas propriedades.
Na Amazônia Legal, o percentual que pode ser derrubado corresponde a 20% dos imóveis rurais, isto é, 11 milhões de hectares. Em um ano de atividade do mecanismo, foram nove contratos com produtores, 25 pagamentos realizados e uma área de mais de 11 mil campos de futebol, metade do território de Glasgow, conservada – isso significa 133 milhões de toneladas de carbono estocado no solo que, se desmatado, equivaleria a 22% das emissões do Brasil em 2019 . “Estamos trabalhando para escalar o CONSERV chegando a vinte contratos e a mais de 20 mil hectares conservados nos próximos meses”, anunciou Stabile.
Se o CONSERV atua em parceria multissetorial para a conservação da Amazônia e do Cerrado, a visão e a atuação do setor público foi evidenciada no debate pelo Consórcio de Governadores da Amazônia Legal. “Nós, estados subnacionais, compreendemos a importância de dialogar de forma coletiva no olhar da região amazônica. Com a constituição e o fortalecimento do consórcio, temos debatido uma construção que possa ser uníssona, para ampliar o nível de representação, considerando as peculiaridades de cada estado da Amazônia”, afirmou o governador do Pará. Os estados que compõem a Amazônia Legal são: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Maranhão, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. De acordo com Barbalho, o Pará abriga nove dos 35 milhões de brasileiros que vivem no bioma amazônico.
Cadeia alimentar mundial
Bush destacou a importância da agricultura brasileira para a economia mundial e para a cadeia alimentar do planeta. Segundo o economista ambiental, a produção agrícola do país responde por 7% do crescimento global de suprimentos. “As relações entre o clima e a produtividade do setor agrícola brasileiro devem levar em conta o financiamento aos produtores para conservar a floresta e diminuir o desmatamento”, pontuou.
“A agricultura poderia ser um motivador muito grande do desenvolvimento econômico, mas ao mesmo tempo tem muita pressão sobre nossos recursos e o desmatamento é uma dessas respostas que estamos vendo”, complementou Botero.
O que a ciência mostra
Com dados do MapBiomas, Alencar lembrou que “apesar de a pecuária ser a principal atividade que ocupa terras já desmatadas no Brasil, quase metade dessas áreas são de péssima qualidade. Isso indica que podemos investir para melhorar nossa produção e até reduzir as emissões”. A diretora ainda comprovou em números a aceleração do desmatamento no país: cerca de ⅓ de tudo o que foi desmatado no Brasil de 1500 até hoje foi derrubado nos últimos quarenta anos.
Na Amazônia, que voltou a enfrentar um ritmo de desmatamento de mais de 10 mil km² por ano, mais da metade das derrubadas tem ocorrido em terras públicas – principalmente em Florestas Públicas Não Destinadas e em áreas de florestas sobrepostas com CAR (Cadastro Ambiental Rural). “Se alguém me perguntasse: ‘Ane, o que você faria?’, eu começaria pelos desmatamentos de Mudança de Uso da Terra, que são a principal fonte de emissão de gases de efeito estufa no Brasil”, sugeriu Alencar.
“A gente precisa de comando e controle inteligente articulado como já tivemos um dia. Destinar as áreas públicas e tirá-las do mercado de terras é fundamental. Dar um sinal de que investir em áreas protegidas é importante também. Isso já derrubaria o desmatamento ao nível de 2012, quando tivemos o menor índice da série histórica”, completou a diretora. Em 2012 o desmatamento na Amazônia Legal ficou abaixo de 5 mil km².
Escutas plurais
Representantes do setor privado e de governos internacionais se colocaram no debate como parte da mudança para uma escuta ativa das diferentes vozes envolvidas quando o assunto é clima. “Esse processo de escuta que hoje o setor privado tem com comunidades indígenas e de agricultores é um ponto em comum para todos nós, porque o desmatamento constrange a todos nós”, afirmou Teixeira.
“Em 2007, o Brasil era pioneiro tanto nas políticas quanto no trabalho da sociedade civil com povos indígenas e povos da floresta”, comentou Brattskar. “Anos depois vemos um grande engajamento e isso mostra que podemos ir em frente pela diminuição do desmatamento na Amazônia. Tenho muita esperança e quero ouvir o que vocês têm a dizer para trabalharmos ainda mais nessa cooperação.”
Caminhos possíveis
Guimarães trouxe para a conversa o questionamento sobre a responsabilidade da geração atual para o controle da crise climática. “A gente percebe nas passeatas, nas reivindicações dos jovens, nas críticas de grupos indígenas, que estamos entrando em uma nova era. O que nós vamos ter que construir daqui para a frente? Este é o desafio que essa humanidade vai ter que cumprir. É isso que eles estão nos cobrando, e é isso que nós vamos ter que entregar.”
O engajamento de empresas em metas de sustentabilidade, lembrou Fajardo, também entra na conta para a redução de emissões de gases do efeito estufa. “Essa balança entre produzir e preservar tem que estar em pleno equilíbrio.”
“Esta COP talvez seja o exemplo da mudança de comportamento. Com tanta representação de jovens, de populações tradicionais e do setor corporativo, temos uma ebolição de todos os processos transformativos”, disse Brito.
Para Souza, endossada nas demais falas durante o debate, a saída está na atuação conjunta. “Não será uma única iniciativa que resolverá nossos problemas, e não será um único segmento social que terá o poder de deter a catástrofe climática. O que a gente está fazendo aqui é um exercício solidário. Movimentos sociais não salvam o mundo, mas todo o nosso tempo neste mundo será de luta. Contem conosco”, concluiu a coordenadora.
Confira a agenda que o IPAM preparou para levar à Conferência.
E acesse a programação do Brazil Climate Hub para participar virtualmente de eventos que ocorrem no espaço em Glasgow, na Escócia, até 12 de novembro.